sábado, 9 de junho de 2012

O INCÊNDIO

Cá com os meus botões, fico a pensar se quando Hitler insuflou o povo alemão contra os judeus ele, de fato, instigou o ódio ou apenas aproveitou-se de um sentimento generalizado que já permeava seu povo. Viviam-se tempos de desemprego e recessão e a sensação era de que os judeus tomavam empregos e se apropriavam de riquezas dos alemães. 

Em tempos de vacas magras, e diante da incapacidade governamental de dar conta das demandas - mormente de ordem econômica -, apela-se para o sentimento de patriotismo. Afinal, o culpado é sempre o outro, o diferente. 

Quando os nativos começam a se preocupar com os estrangeiros, com os de outra raça ou região, por medo de que estes lhes tirem os empregos e dividam suas riquezas, é sinal evidente de que está se formando, ou já está formado, um caldo de cultura propício ao surgimento de um líder político que possa vir a fazer uso dessa matéria-prima para arroubos nazi-fascistas. 

O Brasil vive momentos de pleno respeito às instituições democráticas, a despeito de vãs tentativas maldosas de alguns de mostrar o contrário. Depois que os membros do Congresso, regiamente remunerados pelo governante de plantão - falo de tempos idos, passagem desbotada da memória -, garantiram a este um novo mandato, por meio da emenda constitucional que lhe proporcionou a possibilidade da reeleição, não se teve notícia séria de outro rompimento institucional grave.

Logo depois desse triste episódio, falou-se tanto do risco, só existente na mente dos que foram apeados do poder e de seus seguidores, de que Lula, alçado à presidência da República, instalaria o caos no Brasil. Muitos não resistiram à tentação de associá-lo a figuras históricas nefastas, como Hitler e Mussolini. Quebraram a cara, mas ainda hoje não dão o braço a torcer. Onda vai, onda vem, lá vêm eles com a lengalenga. O ex-presidente, porém, foi o que mais respeito dedicou às instituições.

Respeitou o Ministério Público Federal quando aceitou a indicação feita pelos procuradores da República, e manteve a nomeação de Antonio Fernando de Souza, reconduzindo-o ao cargo de Procurador-Geral. E olha que ele havia sido o autor da denúncia do tal "mensalão"! Depois, repetiu a conduta em relação a outro nome surgido por indicação do conjunto de procuradores, Roberto Gurgel. E em relação a este, o tempo incumbiu-se de mostrar-lhe a verdadeira cara. Só para comparar, o governador Geraldo Alckmin, por exemplo, não teve coragem de seguir o exemplo de Lula e nomeou para Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo quem bem quis, ignorando o preferido de promotores e procuradores, escolhido em democrático processo eletivo interno.

Muito se disse, também, acerca de um desejo oculto de Lula calar a imprensa. Veja, Folha, Estadão, TV Globo e outros da chamada mídia velha - a que denomino "carcomídia" - não perderam um dia sequer a oportunidade de atacar o governo petista, a própria figura do presidente, por razões às vezes justas, injustas na maioria. E o que fez o ex-presidente? Nos momentos mais críticos, fez discursos, apenas. Quantos processos moveu contra os órgãos de imprensa? Nenhum! E olha que não lhe faltou material. Quantas vezes deu ordens às estatais para que cortassem a destinação de verba publicitária para esses veículos? Nenhuma!

Também a título de comparação, Gilmar Mendes, valendo-se do prestígio de ministro do STF, não perdeu tempo ao ver-se criticado por blogues independentes. Foi ao presidente da Caixa Econômica Federal e "solicitou" a ele que parasse de - como disse - "financiar esses blogues que atacam as instituições". Por "instituição", leia-se ele próprio, Gilmar Mendes, já experimentado em fazer pressões do gênero, como a que fez sobre o mesmo ex-presidente Lula para que este demitisse o delegado que comandava a Polícia Federal e a ABIN, Paulo Lacerda. 

No plano interno, à parte ter sucumbido à pressão do então presidente do STF, Lula proporcionou melhores condições à Polícia Federal, que desencadeou centenas de ações que levaram à prisão "gente graúda" - governadores, desembargadores, juízes, prefeitos, empresários - e fez a Controladoria Geral da União funcionar. Criticou, é verdade, o Tribunal de Contas da União, e com razão, já que este enveredou por um ativismo político inaceitável. Mas respeitou plenamente suas decisões.

Lula também não se deixou encantar pelo canto de sereia dos que lhe anteviam a possibilidade de um terceiro mandato. O ex-presidente tinha tudo para isso, aceitação popular e maioria no Congresso, mas manteve-se firme no respeito às regras vigentes.

Enfim, não foi Lula o "novo anticristo" que muitos alardearam. Mas é fato que, ao menos por estas bandas paulistas, há um preconceito permeando os nativos, que se verifica na preocupação que muitos nutrem em relação aos nordestinos, por exemplo. O caso Maiara Petruso, condenada recentemente por ter promovido uma sórdida campanha pelo Twitter logo depois das eleições presidenciais, é significativo. Em mensagens claras, sem meias palavras, ela pregava a "morte aos nordestinos", associando-os a "vagabundos", usurpadores das "nossas riquezas".

Esse sentimento em relação aos nordestinos continua presente nas redes sociais, na forma de piadas de péssimo gosto, que muitos ingênua ou maldosamente repetem, passam adiante, curtem e festejam. Aos ingênuos e aos maldosos falta respeito, amor ao próximo, tolerância às diferenças. 

É verdade que vivemos um momento econômico excelente, comparado ao resto do mundo, graças sobretudo às medidas certeiras adotadas pelo próprio Lula e por sua sucessora, em meio a uma forte crise internacional. Mas é certo que o caldo de cultura está pronto, disseminado, espalhado feito combustível, à espera de um líder destrambelhado que queira riscar o fósforo.

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